Dificuldades que os pacientes com leucemia enfrentam durante a pandemia
Um médico conta como esse câncer no sangue aumenta o risco de complicações por coronavírus e ressalta que abandonar o tratamento é uma péssima ideia
Por Paulo Henrique A. Soares, hematologista* – Atualizado em 25 May 2020, 16h20 – Publicado em 25 May 2020, 10h13
Portadores de cânceres hematológicos, como leucemia mieloide aguda (LMA) e leucemia linfocítica crônica (LLC) estão com dificuldades em ter acesso ao seu tratamento — ou prosseguir com ele — por causa da pandemia de coronavírus.
A leucemia é um dos tipos de câncer de sangue mais conhecidos. Ela surge quando os glóbulos brancos perdem a função de defesa e passam a se reproduzir de maneira descontrolada.
A leucemia mieloide aguda é uma doença agressiva, em que a medula óssea é tomada por células cancerosas, inibindo, entre outras funções, sua habilidade de proteger o organismo contra infecções por bactérias e vírus. Já a leucemia linfoide crônica é a mais comum em pacientes acima de 60 anos. Ela tem progressão lenta e geralmente assintomática no momento do diagnóstico.
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), em 2020 a incidência anual por 100 mil habitantes no Brasil será de 10 810 novos casos de leucemia, sendo 5 920 em homens e 4 890 em mulheres.
No presente momento, os pacientes com leucemias e outros cânceres hematológicos enfrentam dificuldades para encontrar leitos de internação e para agendar a sua quimioterapia. Eles também sofrem com a falta de sangue doado nos hospitais. Como há menos pessoas circulando, há menos pessoas doando.
Portadores de leucemias ficam mais propensos a pegar infecções por estarem com déficit de imunidade, o que pode acarretar complicações clínicas maiores. Tal incremento de risco é particularmente evidente em indivíduos com leucemias agudas, pois a agressividade dessas doenças exige quimioterapia intensiva. Isso, por sua vez, tem potencial de agravar temporariamente o déficit de imunidade.
Aqui no Brasil, ele foi aprovado em 2018 pela Anvisa para LLC e, em 2019, para o tratamento da LMA. O venetoclax é o primeiro de uma classe de medicações que seletivamente inibe a proteína BCL-2. Em alguns tipos de câncer no sangue, a proteína BCL-2 impede a morte natural das células (um mecanismo chamado de apoptose). A droga, ao bloquear a proteína BCL-2, restaura esse processo, permitindo a eliminação das células da leucemia.
Por enquanto, o venetoclax não está disponível no SUS, embora seja amplamente prescrito para pacientes atendidos na rede privada. No final de abril de 2020, foi aberta uma consulta pública no site da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) para a avaliação da incorporação pelo SUS do venetoclax em combinação com outras medicações não quimioterápicas (azacitidina ou decitabina) para o tratamento de pacientes recém-diagnosticados com LMA e que não podem receber quimioterapia intensiva. Estamos aguardando a decisão final da Conitec sobre o assunto.
Discutir essas novas terapias durante a pandemia de coronavírus é especialmente relevante. Ora, elas não necessitam que o paciente saia com tanta frequência de casa para fazer o acompanhamento e evitam internações hospitalares. Artigos científicos atuais (veja aqui e aqui) inclusive corroboram essa estratégia de substituição da quimioterapia convencional intensa por novas alternativas com menor potencial de causar efeitos colaterais.
Paralelo a esses avanços, é importante que o paciente não deixe de procurar o médico responsável pelo seu acompanhamento durante o período de isolamento. Abandonar o tratamento pode comprometer o quadro geral de saúde, algo bastante negativo em face de uma pandemia.
Essa recomendação vale para todas as pessoas que estão com tratamento em curso em qualquer tipo de doença hematológica. Já há vários relatos de pacientes que, com medo de sair de casa, abandonaram o acompanhamento médico e tiveram uma significativa piora.
Apesar de estarmos atravessando um período difícil pela pandemia de Covid-19, as outras doenças não desapareceram. É necessário ter atenção redobrada.
*Paulo Henrique Soares é hematologista do Hospital DF Star
Fonte:Veja Saúde