Especialista aponta que defasagem antiga em tabelas de remuneração de serviços na área de saúde pública e ainda a falta de coordenação e gerenciamento obrigam a que se reduza o atendimento ao SUS por questão de sobrevivência. Roberto Madid é Diretor Executivo no Setor de Saúde com 32 anos de atuação no segmento, com passagens por banco de sangue, hospitais públicos e privados, santas casas, medicina diagnóstica, operadoras de saúde e cooperativas médicas. Atualmente participa de vários conselhos de administração e está à frente do projeto Unique Medical Center em Maringá/PR. Para ele, o futuro depende de gerenciamento competente e coordenado e foco na Atenção Primária.

Por: Regina Prado

Labornews – Nos últimos cinco anos, 3 milhões de pessoas perderam seus planos de saúde no Brasil. Em grande parte devido ao desemprego, já que 70% dos planos são empresariais, e em outros casos por opção, devido ao aumento das anuidades, bem acima da inflação, e ainda pela novidade da coparticipação nos custos do tratamento. Sem uma perspectiva concreta de mudanças a médio prazo no volume de desempregados no país, por exemplo, como o setor de saúde deveria se organizar para receber esta nova demanda no SUS?

Madid – A saúde pública nunca foi priorizada como deveria em nenhum dos últimos governos no Brasil. A divisão em hospitais federalizados, estaduais e municipais é muito prejudicial para organização do sistema atual. A divisão de verbas, que já é escassa, fica injusta e desigual. A atuação não é ordenada e priorizada. Falta gestão em todos os níveis da administração pública de saúde do país. Governança e compliance zero. A preocupação sempre foi direcionada para parte técnica e médica de atuação e muito pouco na estratégia de organização, gestão e administração do modelo de saúde. Com a retomada da economia que se vislumbra com a nova gestão do país, com os indicadores econômicos apontando crescimento, o número de beneficiários na saúde suplementar deve crescer na mesma medida pois é diretamente proporcional ao volume de empregados. Acredito que devemos fechar 2020 com acréscimo entre 750 mil a 1 milhão de novos beneficiários, mesmo porque as operadoras estão modelando e oferecendo produtos mais acessíveis.
Lab – Segundo especialistas, a segmentação entre setores público e privado (24% da população ainda é coberta por planos de saúde), sem uma coordenação estabelecida, pode comprometer a qualidade do atendimento em saúde no país. A parceria com as Organizações Sociais de Saúde (OSS) é uma boa alternativa para o SUS? Segundo a legislação, elas podem “quarteirizar” o serviço prestado. Como pode ser avaliada a qualidade deste trabalho?

Madid – Por que existe a quarteirização? Exatamente pela ineficiência da gestão pública. Gastar mais para contratar empresas para que façam o que o ente público não faz. É um círculo vicioso e que abre margens para má aplicação do recurso público. A tendência é aumentar a abrangência do setor de saúde suplementar pela ineficiência do setor público. Não sou contra OSS, mas não é isso que vai resolver o problema. Se fizermos uma peneira fina nas centenas que existem, acredito que poucas realmente tem expertise, experiência e capacidade técnica comprovada. Muitas foram criadas para fins e “objetivos específicos”.

Lab – Como foi sua experiência na superintendência da Santa Casa de Campo Grande (MS)? Já há alguns anos vemos as enormes dificuldades econômicas de hospitais filantrópicos em todo o país. Por que é difícil equilibrar estas finanças?

Madid – Fomos contratados para um projeto de “turnaround” no intuito de equilibrar as contas da entidade. Fizemos. O problema é que o ente público não cumpre o acordado. Não paga em dia, ou simplesmente não paga. Em Campo Grande/MS veja o histórico político: estiveram presos governador e dois prefeitos, fora vários deputados federais e estaduais denunciados e respondendo a processos, e isso apenas nos últimos cinco anos. As Santas Casas são essenciais para manter de pé o atendimento à população carente no país. Apesar disso, são muito mal remuneradas pelos serviços de complexidade que prestam. A conta não fecha. Os valores não são reajustados há mais de quinze anos! Na sua grande maioria estão em situação financeira desesperadora. Não adianta novas linhas de crédito como faz o governo atual. É necessário remunerar condizentemente pelos serviços prestados.

Lab – Segundo recente artigo de Leandro Fonseca da Silva, Diretor-Presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), “mais de 50% do total despendido no país com saúde é feito por entes privados, sendo que 52,8% dos gastos privados realizados por meio de operadoras de planos de saúde. Esse padrão é diferente dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, nos quais a despesa pública com saúde, em média, é de 73,4%”. Com estes dados em mãos, o que o Brasil deve reformular para otimizar os gastos aplicados na saúde?

Madid – O Brasil gasta pouco com saúde e gasta mal. A proporção reflete a pouca abrangência que o serviço público tem. O setor suplementar vem crescendo cada vez mais e continuará assim. O nosso atual modelo de saúde pública é reativo e não proativo e preventivo.

Lab – Como o senhor avalia as demandas do setor de análises clínicas, que tem a remuneração pelo SUS defasada em mais de duas décadas de prestação de serviços?

Madid – A remuneração do SUS não sustenta nenhum dos players do segmento. A remuneração está defasada não apenas para análises clínicas, mas para tudo. Quem depende ser remunerado pelo sistema SUS não consegue sobreviver. Na maioria dos casos reduz o atendimento ao SUS para menor proporção possível e passa a atender convênios e particulares para poder equilibrar suas contas.

Fonte: Labornews
05 DE FEVEREIRO DE 2020