O papel dos testes de anticorpos no combate da pandemia do coronavírus

O papel dos testes de anticorpos no combate da pandemia do coronavírus

Texto: Carlos Eduardo Gouvêa (Presidente executivo da CBDL e Aladdiv) e Letícia Fonseca (Representante da Aladdiv)

COLUNISTA: DR. CARLOS EDUARDO GOUVÊA  – 04 DE MAIO DE 2020

Em plena pandemia do Coronavírus, a única certeza de que temos é de que nada será como antes… Neste sentido, vemos grandes mudanças e quebras de paradigmas, não apenas em relação aos nossos hábitos e costumes, mas principalmente em relação às tecnologias de dispositivos médicos utilizados no combate a esta pandemia: respiradores, EPIs e, claro, diagnóstico in vitro.

 

Aqui no Brasil, em um movimento muito bem recebido por toda a Sociedade, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), inovou ao criar a figura de um registro provisório (válido por 1 ano) para os kits de diagnóstico do SARS-CoV-2 (coronavírus), caso a empresa que estivesse submetendo tal pedido não tivesse a totalidade dos documentos que anteriormente seriam necessários. Neste sentido, a Resolução RDC 348/2020 possibilitou que mais de 50 processos fossem analisados e deferidos em cerca de 40 dias de sua existência – fato sem precedentes até então.

 

Além de utilizar o conceito de “reliance” principalmente na questão de certificações de boas práticas de fabricação emitidas pelas autoridades regulatórias reconhecidas como de alto rigor pela ANVISA, ela permitiu a possibilidade de se complementar tais dossiês com estudos feitos com dados da vida real, de tal forma que tais registro se tornassem válidos então para 10 anos.

 

Desta forma, várias tecnologias têm sido liberadas para uso no Brasil, com destaque para os testes rápidos (imunocromatoráficos) e PCR TR, além de várias outras que trarão grande velocidade para o mercado laboratorial, tais como ELISA, quimioluminescência, fluorescência, dentre outras, inclusive de POC (point of care).Tais testes podem ser divididos entre testes moleculares ou de antígenos, para a detecção do vírus ou suas proteínas, na fase inicial, ou então sorológicos, voltados principalmente para a detecção dos anticorpos.

 

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização Pan Americana de Saúde (OPAS) , pelo menos até o momento, têm se manifestado contrárias à utilização de testes para detecção de antígenos /anticorpos para COVID-19. Tal posição está fundamentada em duas questões: 1. A possibilidade de reação cruzada com outros coronavírus que normalmente estão presentes na comunidade, dificultando a interpretação de resultados . 2. A dinâmica de resposta do organismo humano na produção de anticorpos ainda não ser bem conhecida. Alguns estudos mostram que apenas 40% dos pacientes desenvolvem anticorpos durante os 6 ou 7 primeiros dias após o início dos sintomas .

 

Diante disso, resultados negativos obtidos com o uso de testes sorológicos não seriam ferramentas adequadas para afastar a possibilidade de infecção nos primeiros dias da doença. Resultados positivos devem ser avaliados em conjunto com outros sintomas, uma vez que há a possibilidade de reação cruzada com outros coronavírus. A posição da OMS/OPAS nos leva a refletir sobre a função dos produtos para diagnóstico in vitro (IVD). Esses produtos incluem reagentes, instrumentos e sistemas para testar amostras coletadas do corpo e destinados ao uso em um amplo espectro de aplicações de cuidados de saúde, entre eles a detecção precoce de doenças e condições e a geração de informações médicas relacionadas ao risco que informam a ação clínica.

 

Os produtos IVD disponíveis no mercado detectam o material genético do vírus, por meio de técnicas de biologia molecular (Polimerase Chain Reaction – PCR), detectam a presença de antígenos ou a presença de anticorpos (testes sorológicos). Cada um desses métodos possui características próprias e limitações, sendo necessário utilizar “o teste certo, no paciente certo, no ambiente certo, na hora certa ”. Nesse sentido, com o objetivo de ampliar o acesso da população à testagem para COVID-19, vários países têm estabelecido diretrizes para o uso de testes para detecção de antígenos e para detecção de anticorpos.

 

A estratégia de testagem pode variar, não apenas entre países como dentro do país. Nos Estados Unidos, o Food and Drug Administration (FDA), por meio do procedimento denominado “Emergency Use Authorizations (EUA)” publicou o “Policy for Diagnostic Tests for Coronavirus Disease-2019 during the Public Health Emergency” . De acordo com esse documento, testes sorológicos, destinados à detecção de anticorpos para SARS-CoV-2, que tenham sido validados e notificados ao FDA como EUA, devem conter em suas instruções de uso alertas de que:

 

• O teste não foi revisado pelo FDA • Os resultados negativos não podem excluir a infecção por SARS-CoV-2, particularmente naqueles que estiveram em contato com o vírus. Testes de biologia molecular devem ser considerados para descartar infecção nesses indivíduos.

 

• Os resultados do teste de anticorpos não devem ser usados como única base para diagnosticar ou excluir a infecção por SARS-CoV-2 ou para informar o status da infecção.

 

• Os resultados positivos podem ser causados por infecção passada ou presente por cepas de coronavírus que não sejam SARS-CoV-2, como coronavírus HKU1, NL63, OC43 ou 229E.

 

Além de orientações em instruções de uso, o fabricante deve fornecer, por meio de folhetos informativos direcionados a provedores de serviços de saúde e a pacientes, informações sobre riscos potenciais conhecidos e benefícios do uso de produtos autorizados para uso emergencial. Alertas e recomendações também foram divulgadas pelo FDA em carta direcionada a provedores de serviços de saúde, dentre elas, o FDA orienta que os serviços continuem a utilizar testes sorológicos, desde que cientes de suas limitações .

 

O CDC (Center for Disease Control and Prevention) possui diretrizes sobre quem deve ser testado, mas as decisões sobre a testagem ficam a critério dos departamentos de saúde estaduais e locais e / ou dos clínicos individuais . Outra fonte de consulta é o documento Toolkit Covid-19, uma coleção de recursos compilados e organizados pela AdvaMed para orientar os esforços de mensagens e comunicações. A publicação contempla ações realizadas pela Associação em resposta a crise, com foco na produção e distribuição de dispositivos médicos, entre eles os equipamentos de proteção pessoal, ventiladores e kits diagnósticos.

 

A relação de produtos que receberam EUAs para Covid-19 nos Estados Unidos pode ser consultada no Toollkit Covid-19 . Na Espanha, o “Guía para la utilización de Tests Rápidos de Anticuerpos Para Covid-19” , publicados pelo Ministério da Saúde, orienta sobre o uso de testes rápidos para detecção de COVID-19 dentro e fora de hospitais e em instituições penitenciárias. No Brasil, o “Boletim COE COVID-19 número 12” publicado pelo Ministério da Saúde , contempla informações sobre a vigilância epidemiológicas laboratorial, trazendo o histórico da implantação do diagnóstico de Covid-19 no país, desde suas fases iniciais até o momento atual.

 

O Ministério da Saúde preconiza o uso do teste sorológico para “toda a população que apresentar quadro de síndrome gripal e pertencer a uma das O papel dos testes de anticorpos no combate da pandemia do coronavírus seguintes categorias:

• Profissionais de saúde e segurança em atividade;

 

• Pessoa que resida no mesmo domicílio de um profissional de saúde ou segurança em atividade; • pessoas com idade igual ou superior a 60 anos;

 

• Portadores de condições de saúde crônicas, e

 

• População economicamente ativa.

 

O teste utilizado pelo Ministério da Saúde foi validado pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fundação Osvaldo Cruz e deve ser feito após o sétimo dia do início dos sintomas. Recomendações sobre a interpretação do resultado do teste são trazidas pelo documento, assim como a indicação de alternativas de validação dos testes disponíveis, que valerão como referência, em curso por entidades organizadas no “Programa de Validação de Kits de Diagnóstico para SARS-CoV-2” (SBPC/ML, SBAC, ABRAMED e CBDL).

 

Por fim, concluímos que, apesar das limitações para o uso de testes sorológicos (anticorpos) apontadas pela Organização Mundial de Saúde, esses testes poderão ser decisivos para a tomada de decisões clínicas e epidemiológicas no processo de enfrentamento da pandemia, desde que sua implementação seja bem estabelecida e de forma integrada entre os diferentes atores da Sociedade Civil e Governo. Assim, a atenção dada aos pontos essenciais será a chave do sucesso no combate ao coronavírus: acesso, qualidade, treinamento, testagem ampliada e captação dos dados para uma base epidemiológica.

Fonte: Labornews

Biossegurança aplicada aos laboratórios durante Pandemia da COVID-19

Biossegurança aplicada aos laboratórios durante Pandemia da COVID-19

Biossegurança consiste em um conjunto de medidas e procedimentos técnicos necessários para a manipulação de agentes e materiais biológicos, capaz de prevenir, reduzir, controlar e eliminar os riscos inerentes às atividades que possam comprometer a saúde humana, animal e vegetal, bem como o meio ambiente. Entre estes agentes, podemos citar o vírus responsável pela atual pandemia mundial, o SARS-CoV-2, reconhecido pela Organização Mundial (OMS) como o novo coronavírus, causador da doença COVID-19.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define estas ações como um conjunto de medidas técnicas que são de suma importância durante a manipulação de agentes e materiais biológicos. Todo profissional que atua com manipulação destes materiais em laboratórios deve se ater a cuidados relacionados à biossegurança.

Este artigo tem o objetivo de esclarecer algumas regras preventivas, sejam elas praticadas em suas residências ou no laboratório, assim como sanar dúvidas relevantes à categoria em relação a esta nova situação de crise global.

Cuidados diários para a prevenção da COVID-19
O isolamento social é a medida indicada pelos especialistas em saúde pública para evitar a transmissão e a proliferação da COVID-19. Durante este período de alastramento dos números de casos notificados da doença, aos profissionais dos laboratórios, que se expõem diariamente ao exercer um serviço essencial, é indicado manter cuidados de higiene específicos para impedir a proliferação do vírus ao chegar em suas casas, como os listados abaixo:

  1. Não tocar em nada antes da higienização minuciosa das mãos.
  2. Deixar os sapatos em um local separado, para posterior desinfecção.
  3. Tirar a roupa e colocá-la em uma sacola plástica.
  4. Deixar objetos usados externamente em uma caixa, logo na entrada.
  5. Se possível, tomar banho. Caso contrário, lavar bem todas as áreas expostas.
  6. Limpar celular, óculos e embalagens, antes de guardá-los.

O ato da desinfecção age no sentido de reduzir os riscos de contágio com o vírus. O álcool gel ou líquido, com concentração entre 62 e 71% (v/v), é válido neste sentido. A utilização do álcool líquido deve ser reservada para a desinfecção de superfícies. Em casa, a melhor opção é lavar as mãos com água e sabão. O uso do álcool gel é indicado em razão do seu poder de hidratação e para aqueles que precisam sair de suas residências. Importante salientar que o vinagre não substitui o álcool gel e age somente contra bactérias, protozoários e parasitas. A clorexidina pode ser utilizada como antisséptico, porém não é recomendada para uso frequente, pois ataca a microbiota residente.

Cuidados para o ambiente laboratorial
Alguns estudos apontam que o vírus SARS-CoV-2 pode sobreviver em superfícies por vários dias, dependendo do tipo, temperatura ou umidade do ambiente. Os laboratórios, enquanto serviços essenciais, devem ter o cuidado excepcional para evitar a contaminação dos equipamentos, pacientes e profissionais.

Pois, além de ser transmitido por partículas, estudos (ainda incipientes) indicam que há a possibilidade do novo coronavírus ser transmitido por aerossol, durante os procedimentos de laboratório que envolvem aspiração, alta rotação e força mecânica.

Todos os profissionais da área técnica em um laboratório devem utilizar os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Já para os profissionais que atuam na recepção, é imprescindível, pelo menos, o uso da máscara e jaleco, no intuito de diminuir minimamente a possibilidade de contágio.

O Dr. Jorge Luiz Araujo Filho, formado em Biologia, Mestre em Patologia e Doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e conhecido nas redes sociais como Dr. Biossegurança,  indica algumas recomendações de biossegurança para a atenção destes profissionais. São elas:

  1. Não usar adornos.
  2. Higienizar frequentemente as mãos.
  3. Utilizar Equipamentos de Proteção Individual – EPIs (máscara, protetor facial, jaleco, traje, calçado fechado, luvas, touca e óculos de proteção).
  4. Remover a barba e manter cabelos protegidos e presos.
  5. Cuidado com as luvas.
  6. Traje de proteção corporal.
  7. Jalecos abotoados até em cima.

“Os cuidados de biossegurança devem ser seguidos sempre, independentemente da pandemia ocasionada pelo novo coronavírus. Durante uma coleta de amostra para exames deste vírus, é importante estar atento aos Equipamentos de Proteção individual (EPIs), óculos de proteção, máscaras, protetor facial, touca e jaleco abotoado”, reforçou o especialista.

A questão da logística no ambiente de laboratório
Segundo a Organização Feminina de Análises Clínicas (OFAC), o melhor procedimento quanto ao uso de máscaras neste ambiente é controlar a entrada do atendimento, priorizando de 2 a 3 pacientes por vez, com recepcionistas usando máscaras e distribuindo álcool em gel para os pacientes. Além da oferta de máscaras de TNT, elas devem informar a distância ou desagrupamento entre as pessoas.

Como o serviço de coleta é de extrema importância no momento em que vivemos, a rotina do laboratório deve ocorrer na normalidade possível, com o envio de resultados por e-mail ou site. Após o atendimento do paciente, as mãos dos profissionais devem ser higienizadas com álcool gel e eles devem substituir a máscara utilizada.

Ainda sobre a máscara, por ser um material descartável, a esterilização, por meio de lavagem após seu uso, é inadequado. Este processo de lavagem e esterilização fragiliza o tecido, provocando aberturas na estrutura, aumentando a porosidade e fazendo com que ela não retenha os micro-organismos, sua missão primordial.

Diferenças entre tipos de máscaras de proteção
Estes itens de proteção respiratória servem para inibir a entrada de poeira ou névoas (P1), fumos ou agentes biológicos (P2) e particulados altamente tóxicos ou de toxidez desconhecida (P3). Elas são chamadas de Peça Facial Filtrante (PFF). Saiba a seguir quais são as diferenças entre as classes de PFFs:

  • PFF1: manipulação de ácido crômico ácido pícrico, ácido sulfúrico, ácido fosfórico, estearatos, sódio e potássio, uréia, sílica, sais solúveis de ferro, hidróxidos de cálcio. Sem similar nos EUA.
  • PFF2: manipulação de fumos metálicos, óxido de ferro, fumos de parafina. Manipulação de quimioterápicos na forma de pó liofilizado. Equivale a N95 – parâmetros de teste idênticos.
  • PFF3: manipulação de compostos inorgânicos de mercúrio, radionuclídeos. Manipulação de quimioterápicos na forma de pó liofilizado. Manipulação de agentes altamente patogênicos e para trabalhos de campo, com manipulação de animais de captura. Equivale às classes N99, N100, R99 e R100 – com pequenas diferenças nos parâmetros de teste.

Para o Dr. Jorge Luiz, “a máscara N-95 ou PFF 2 (equivalente a N95) é a ideal na segurança contra o novo coronavírus, pois este micro-organismo tem 0,14 micrômetros (µm) de tamanho e a gotícula em que se dispersa tem aproximadamente 12 micrômetros (µm)”.

Alguns países estão indicando a PFF 3 (equivalente a N99), cuja capacidade de retenção de partículas é ainda maior do que a N95 e PFF 2. “O ideal é que essa máscara seja utilizada até ficar úmida (aproximadamente 4 horas de uso)”, completa o Dr. Biossegurança.

Produtos para a desinfecção de superfícies no laboratório
A desinfecção em superfícies precisa ser feita com produtos que inviabilizam o vírus, a exemplo do álcool líquido (concentração entre 62% e 71%), cuja função desnaturante e dissolve a membrana lipídica externa, matando o vírus e outros micro-organismos.

“A água sanitária também é utilizada para desinfetar superfícies. Para seu uso em limpeza de locais, para cada 1 litro de água, acrescente 10 ml de água sanitária, com concentração final de 1% (v/v). O cloro é outra opção. Existem produtos para uso profissional, com capacidade de fazer uma desinfecção ainda mais eficiente”, finaliza o Dr. Biossegurança.

Fonte: Labtest