Resistência Antimicrobiana: Patógenos que Afetam a Saúde Animal
A resistência antimicrobiana ocorre quando microrganismos como bactérias e fungos desenvolvem a capacidade de derrotar as drogas destinadas a matá-los, os antibióticos, e continuam a se desenvolver. Muito debatida na saúde humana, a resistência antimicrobiana de alguns patógenos também pode afetar a saúde dos animais e, consequentemente, das pessoas e até mesmo do ambiente (solo e água).
ONE HEALTH: CONCEITO DE SAÚDE ÚNICA
One Health é uma abordagem que reconhece que a saúde das pessoas está intimamente ligada à saúde dos animais e ao nosso ambiente compartilhado. O termo trata de questões ligadas à saúde, epidemiologia e adoção de políticas públicas efetivas para prevenção e controle de enfermidades, trabalhando nos níveis local, regional, nacional e global. One Health não é novo, mas se tornou mais importante nos últimos anos. Isso ocorre porque muitos fatores mudaram as interações entre pessoas, animais, plantas e nosso meio ambiente.
À medida que o mundo de hoje se torna cada vez mais conectado, a necessidade de aplicar efetivamente o conceito One Health só aumenta. Não só para proteger pessoas e animais de doenças, mas também para impedir rupturas econômicas que podem acompanhar esses surtos de doenças. Isso significa realizar vigilância, planejar atividades de resposta a surtos e criar estratégias de prevenção de doenças para reduzir a contaminação e mortes em pessoas e animais.
ANTIBIÓTICOS COMO PROMOTORES DE CRESCIMENTO DA RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA
Antimicrobianos passaram a ser significativamente usados na criação de animais para consumo na década de 50. Em 1951, o Food and Drug Administration (FDA) dos EUA liberou a sua administração na dieta animal sem receita veterinária. Desde então, além de serem aplicados no tratamento de infecções, os fármacos têm sido usados como promotores de crescimento nesses animais.
Hoje, na criação animal, há basicamente três tipos de uso de antimicrobianos. O primeiro é o terapêutico, como ocorre com o ser humano. A segunda maneira é a preventiva, como no desmame dos suínos — esse animal provavelmente vai passar por estresse, vai ter uma imunossupressão, que pode levar à infecção por várias bactérias, então se faz preventivamente o tratamento. A terceira maneira é a mais polêmica e a mais discutida na ciência, que é a administração de antimicrobianos como melhorador de desempenho. Nesse caso, o animal não tem nenhuma doença, provavelmente não vai ficar doente, e a droga é empregada com a finalidade de promover o crescimento.
As medicações antibióticas reduzem o tamanho e o peso do trato digestório, o que torna as vilosidades e as paredes intestinais mais finas, aumentando a absorção dos nutrientes. Além de manter a qualidade da flora gastrointestinal dos animais, pois controlam a flora patogênica e, assim, diminuem a disputa por nutrientes, além de reduzirem a produção de metabólitos depressores do crescimento dos animais. Esses produtos indicados com função de aditivo alimentar são chamados de antibióticos promotores de crescimento (APC), ou antibióticos melhoradores do desempenho animal.
RESISTÊNCIA ANTIMICROBIANA E MAIOR CONTROLE DOS ANTIBIÓTICOS
A União Europeia proibiu o uso de antibióticos como promotores do crescimento em 2005 e, em 2018, proibiu o uso rotineiro de profilaxia em massa usando rações com antibióticos. Os EUA também têm implementado uma melhor regulamentação de antimicrobianos em animais de corte. Desde janeiro de 2017, a FDA tem desautorizado o uso de antimicrobianos clinicamente importantes na promoção do crescimento em animais de corte, e suas regulamentações sobre as diretrizes de alimentação veterinária têm limitado antibióticos clinicamente importantes da venda livre para criadores, para exigir controle veterinário. Alguns estados possuem regras ainda mais rígidas sobre antibióticos para animais de corte, mas nenhum se aproximou da proibição direta.
No Brasil, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) garante que o país está correndo atrás para ter um sistema de vigilância, por meio do Plano de Ação Nacional de Prevenção e Controle da Resistência aos Antimicrobianos no âmbito da Agropecuária (PAN-BR AGRO), cujo prazo previsto para implementação vai de 2018 a 2022.
Em dezembro de 2018, a Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA), ligada ao MAPA, por meio da Portaria Nº 171, informou sobre a intenção de proibição de alguns antimicrobianos com a finalidade de aditivos melhoradores de desempenho, abrindo prazo para manifestação dos setores envolvidos. Dentro os antimicrobianos utilizados estariam os que contém bacitracina, lincomicina, tiamulina, tilosina e virginiamicina em todo o território nacional. Essa decisão segue as recomendações de órgãos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), e as práticas adotadas por demais países, como os EUA, que proibiram a administração de qualquer antibiótico de importância para a medicina humana na produção de animais, mesmo na forma terapêutica.
O uso contínuo dos APCs na produção animal diminuiu gradativamente os efeitos dos medicamentos, aumentando a resistência antimicrobiana, o que levou à necessidade de doses mais altas e à total dependência do uso desses medicamentos em algumas cadeias produtivas, especialmente as de suínos e aves.
Esse fato culminou no aparecimento de bactérias resistentes aos antibióticos, o que se torna um problema quando é preciso utilizá-los para o tratamento de infecções e doenças nos plantéis (animais de reprodução). Mas não é só isso. O assunto também afeta a saúde pública, motivo pelo qual se tem buscado a redução ou a eliminação de APCs na nutrição animal.
Há alguns anos, pesquisadores descobriram o gene resistente mcr-1 em plasmídeo de Escherichia coli de suínos e muitos estudos indicam a possibilidade de esse gene ser transferido para a flora gastrointestinal de humanos que consomem produtos de origem animal. Por causa disso, desde 2016 foi proibido o uso de Colistina (Poliximina E) assim como outros da classe dos macrolídeos e da penicilina como APC, pois são amplamente usados e criticamente importantes para a saúde humana.
Uma análise feita entre 2004 e 2006 pela Anvisa em amostras de frangos congelados vendidos em 14 estados brasileiros, detectou bactérias Salmonella e Enterococcus resistentes a vários antimicrobianos. Das 250 cepas de Salmonella analisadas, por exemplo, 77% foram consideradas multirresistentes.
O caminho de “transmissão” de microrganismos resistentes ainda é desconhecido e muito estudado. Primariamente, acredita-se na transmissão fecal-oral. Microrganismos intestinais podem contaminar, diretamente, carne ou outros produtos animais quando o processamento dos alimentos fica aquém dos padrões ótimos. Também é importante lembrar que muitos desses antibióticos são excretados na urina e nas fezes e chegam ao meio ambiente contaminando água a ser ingerida por humanos que bebem água não tratada ou comem vegetais crus irrigados com essa água. Outra hipótese é que esses antibióticos excretados podem causar resistência a microrganismos do meio ambiente que não são parte da flora intestinal do animal. E, devido à capacidade de transferir genes localizados em elementos genéticos móveis, esses organismos portando, esses genes móveis, podem transferir resistência a organismos completamente diferentes os quais são patógenos humanos. Outra possibilidade é que pessoas que trabalham em contato direto com animais sejam, possivelmente, colonizadas por microrganismos resistentes.
Em uma tese de mestrado, realizada na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), pesquisadores buscaram bactérias resistentes em amostras de queijo minas frescal. Todos os exemplares estudados apresentaram algum conjunto de bactérias resistentes — em 13% a resistência antimicrobiana foi constatada para todos os antibióticos testados, e em 80%, para 8 a 10 diferentes antibióticos. Foi constatada ainda resistência antimicrobiana em 87% dos queijos aos carbapanêmicos, tipo de antibiótico potente que é considerado uma das últimas alternativas na luta contra microrganismos muito resistentes.
O uso de antibióticos na nutrição animal deve ser racional e cauteloso, tendo em vista as graves consequências que o abuso pode causar tanto na saúde animal como na humana. A restrição e a proibição de diversos antimicrobianos na agropecuária direcionam os produtores a estabelecerem planos estratégicos para atingirem seus objetivos produtivos, sendo que o foco em nutrição se mostra o mais efetivo. É mais provável que medidas preventivas ajudem em curto prazo, incluindo coisas como:
- Novas vacinas;
- A criação seletiva de animais com maior resistência a doenças;
- Métodos de processamento de alimentos que eliminem mais patógenos antes do ponto de venda;
- Melhores métodos de testes, como exames por PCR multiplex, capazes de diagnosticar patógenos específicos e, assim, ajudar a distinguir a infecção viral da bacteriana e também identificar animais infectados rapidamente, para que possam ser isolados e tratados sem ter que tratar toda a manada ou grupo de animais;
- Usar probióticos e ácidos orgânicos para a promoção do crescimento.
Fonte: Kasvi